O pior de tudo é que ele sabia que poderia me pedir qualquer
coisa, pois a resposta ia ser sim - ele sabia que eu tinha uma enorme dificuldade
em dizer não as pessoas, e em diversas situações as pessoas se aproveitavam
disso. Por um momento eu quis urgentemente correr para outros lugares que fosse
longe daquele sorriso e por outro, eu quis desesperadamente morar no abraço
dele. Ontem à noite ele me mandou ir para casa, mas casa não era
necessariamente um lugar, era ele. Eu nunca fiz o perfil de mulher que sonhava
em compartilhar coisas do dia a dia com alguém, daquelas que sonha com o
príncipe encantado chegando com um cavalo branco e várias crianças na sala de
estar esperando pelos presentes de natal, eu sempre fui reservada e realista
para toda aquela babaquice de final feliz, mas se fosse para ter alguém com
quem discutir no fim da noite para levantar e apagar a luz ia ser com ele. Ele
me perguntou como eu queria estar daqui a dez anos, e a resposta não veio de
imediato, mas passou pela minha cabeça que eu só queria estar deitada no peito
dele escolhendo qual lugar que viajaríamos no próximo final de semana. Eu
resolvi listar todos os defeitos que eu odiava nele, desde os mais
insuportáveis até os mais estranhos, mas por incrível que pareça, os inúmeros
defeitos que me faziam odiá-lo eram os mesmos que me faziam gostar dele. Teve
um dia que ele disse, mais uma vez, que ia embora, sem ao menos olhar para
trás, deixando sem querer a sua camisa xadrez toda surrada em cima da cama e
sem querer também, acabou levando um pedaço de mim. Como se já não bastasse
todo aquele jeito de ser profundamente intenso, ele volta mais uma vez, tocando
incessantemente a campainha e não satisfeito, começou a cantarolar em inglês a
minha música preferida - e até desafinando ele era lindo. Ele tinha cheiro de
saudade e um gostinho de ‘‘se você quiser, eu fico mais um pouco’’. Quando ele
sorria todo sem jeito por eu elogiar aquela barba mal feita, eu me visualizava
sentada com ele na varanda de uma casinha simples com o pôr do sol a nossa
frente, com as nossas mãos enrugadas e entrelaçadas uma na outra. Ele sorria e
eu só conseguia pensar que qualquer um consegue se perder, se embolar, se
amarrar, se envolver naquele sorriso. Eu ouvi de uma sala antiga, um som belo
de um instrumento, e ao ir me aproximando por entre as madeiras que rangiam,
pude perceber nitidamente que se tratava de um cravo (o cravo é considerado o
pai do piano), e que o som provinham de suas mãos. Mãos aquelas que acariciavam
meu rosto e me envolvia de uma forma que eu me perdia em meus pensamentos. Era
lindo observar ele tocando. Eu poderia ficar ali por horas sem me cansar,
apenas o admirando ele tocar a mais bela sinfonia solo de Choplin. Ainda me
lembro daquele dia que estávamos deitamos no meio da sala, em cima daquele
tapete velho, e ficamos a tarde inteira jogados no chão, assistindo aquele
filme entediante e de repente, ele me abraçou. Foi um daqueles abraços
apertados, que se dá de olhos fechados. Ele disse que poderia me abraçar por um
dia inteiro, e a única coisa que eu pensava era que poderia abraçá-lo por mais
cinco vidas.
As pessoas acham que escrever é simplesmente pegar as palavras e as colocar numa frase e a fazer elas terem sentido, quando na verdade, é algo muito amplo. Escrever exige observação, pensamento, conhecimento da língua a ser retratada e amor. Sim amor pela fala, pela oratória, pelo papel e pela literatura. Escrever é retirar do vento as palavras que ninguém mais quer, e as organizar, observando não apenas as normas da língua padrão, como concordância, verbo, provérbio, advérbio, e por ai vai, e sim as organizar por ordem de importância e sentido. Escrever, é se doar de corpo e alma, é se entregar, se perder nas letras e se achar no parágrafo seguinte. É se encantar a cada palavra e se emocionar a cada vírgula; é se apaixonar a cada novo texto. A cada dia que passa me apaixono mais por esse mundo literário e me assumo cada vez mais como escritora, não tenho medo do que podem dize ou pensar, como escritora tem que assumir uma postura e como jornalista, assume a mesma postura.
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